Cerca de 40% de todas as mortes entre Ãndios brasileiros registradas desde 2007 foram de crianças com até 4 anos. O Ãndice é quase nove vezes maior que o percentual de mortes de crianças da mesma idade (4,5%) em relação ao total de óbitos no Brasil no mesmo perÃodo.
Um levantamento da Secretaria Especial de Saúde IndÃgena (Sesai) obtido pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação revela que indicadores da qualidade do serviço de saúde prestado aos Ãndios estão em patamar muito inferior aos do resto da população.
Os dados detalham todas as mortes de Ãndios registradas desde 2007 em cada um dos 34 Distritos Sanitários Especiais IndÃgenas (DSEI), que englobam uma população de cerca de 700 mil Ãndios. As informações de 2013 estão incompletas.
O levantamento mostra que nos últimos sete anos 2.365 Ãndios morreram por causas externas (acidentes ou violência), dos quais 833 foram vÃtimas de homicÃdio. Outras 228 mortes por lesões não tiveram sua intenção determinada. Não há informações sobre a autoria dos crimes.
O DSEI Mato Grosso do Sul responde pelo maior número de assassinatos de Ãndios: 137 nos últimos sete anos. Na reserva de Dourados, área indÃgena visitada pela reportagem, moradores evitam circular à noite por medo de ataques.
Delmira Cláudio, Ãndia guarani kaiowá, teve três filhos assassinados dentro da reserva, todos com menos de 30 anos. LÃderes da comunidade atribuem a violência à inoperância policial, ao aumento de moradores não Ãndios e à venda de álcool dentro da reserva.
Os suicÃdios, por sua vez, foram a causa de 351 mortes de indÃgenas desde 2007. A região do Alto Solimões, no oeste do Amazonas, registrou mais casos, 104.
Um artigo recente da pesquisadora Regina Erthal apontou como principal causa para o fenômeno, comum entre o povo ticuna, o acirramento de conflitos que têm como base "o abandono a que tal populac?a?o tem sido submetida pelos o?rga?os responsa?veis pela definic?a?o e implementac?a?o das poli?ticas pu?blicas".
Caso fosse um paÃs e levando em conta os dados de 2012, o DSEI Alto Solimões teria a segunda maior taxa de suicÃdios por habitante do mundo, 32,1 por 100 mil, atrás apenas da Groelândia. O Ãndice entre os Ãndios brasileiros é de 9 suicÃdios por 100 mil e, no paÃs, 4,9.
Comparações entre os padrões de morte dos Ãndios e dos demais brasileiros em 2011, último ano em que há dados gerais disponÃveis, revelam outras grandes discrepâncias.
Enquanto entre os Ãndios as mortes se concentram na infância e só 27,4% dos mortos têm mais de 60 anos, na população geral os com mais de 60 respondem por 62,8% dos óbitos.
Nas últimas décadas, avanços no sistema de saúde reduziram as mortes por doenças infecciosas e parasitárias entre os brasileiros para 4,5% do total. Entre os Ãndios, o Ãndice é de 8,2%.
Hoje quase a metade das mortes no Brasil se deve a doenças mais complexas e difÃceis de tratar: problemas no aparelho circulatório (30,7%) e câncer (16,9%).
Já entre os Ãndios doenças respiratórias, como gripes que evoluem para pneumonia, ainda são a principal causa de morte (15,3%). Cânceres respondem por apenas 2,9% das mortes entre indÃgenas.
Desde o fim de janeiro, a reportagem espera a resposta a um pedido de entrevista com o secretário Especial de Saúde IndÃgena, Antônio Alves, para tratar das informações que embasam esta reportagem.
Questionamentos à secretaria sobre as mortes de crianças e as ações para combatê-las foram ignorados, apesar de numerosos e-mails e telefonemas.
A reportagem ainda tentou tratar dos temas com o novo ministro da Saúde, Arthur Chioro, e com o ex-ministro Alexandre Padilha, responsável pela pasta entre 2011 e o inÃcio deste ano. Os pedidos de entrevista foram igualmente recusados.
Para o médico Douglas Rodrigues, especialista em saúde indÃgena da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a alta mortalidade entre crianças mostra que atendimento a Ãndias gestantes e recém-nascidos ainda deixa muito a desejar.
Ele diz que as mortes de Ãndios por doenças infecciosas têm duas razões principais: a maior vulnerabilidade de alguns grupos mais isolados a essas doenças e falhas na assistência médica.
"O mais grave é que essas doenças são evitáveis. Não dá para aceitar que em pleno século 21 tantos Ãndios morram por doenças infecciosas."
O professor diz que, nas últimas décadas, houve grandes avanços nos serviços de saúde para os Ãndios. Em 1999, a União assumiu a responsabilidade pela saúde indÃgena, que passou a ser gerenciada pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Em 2010, com a criação da Secretaria Especial da Saúde IndÃgena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, as ações passaram a ser geridas por um órgão exclusivamente voltado aos Ãndios.
No entanto, segundo o professor, a acelerada melhora nos Ãndices verificada até o inÃcio da última década praticamente se interrompeu.
Ele cita os dados de mortalidade infantil entre os Ãndios. Segundo uma apresentação da Sesai, a taxa despencou de 74,6 para mil nascidos vivos, em 2000, para 47,4, em 2004. No entanto, de 2004 a 2011, o Ãndice diminuiu em velocidade bem menor, para 41,9.
No Brasil, a mortalidade infantil em 2011 foi de 15,3. E diferentemente do histórico entre os Ãndios, o Ãndice nacional segue baixando em ritmo uniforme.
"Saiu-se de uma situação de quase desassistência aos Ãndios e foi se aumentando o número de pessoas e lugares em que há profissionais, o que teve um impacto muito grande. Mas depois de 2005 houve uma estabilização, o que é preocupante", diz Rodrigues.
"Agora é o momento de fazer um ajuste fino, de melhorar a qualidade".
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