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sexta, 17 de maio de 2019 - 14:15

Por dia, 5 são denunciados por burlar ordem de ficar longe da mulher

Neste ano, 746 boletins de ocorrência por descumprimentos de medidas protetiva foram registrados em Mato Grosso do Sul

Há dois anos Elen* envolveu-se em um relacionamento que classifica como “abusivo”. Com ele, tornou-se “compulsiva, impulsiva e agressiva”. Tóxico, o relacionamento foi marcado por agressões. A última delas, diversos socos no estômago, a fizeram ir atrás de uma medida protetiva de distância. O ex-companheiro agressor não poderia se aproximar dela nem ir até o local onde ela trabalha ou mora. Não foi o que aconteceu. Ele descumpriu a ordem de afastamento, perseguiu Elen e ela virou estatística.

 

As medidas protetivas, parte da Lei Maria da Penha de 2006, podem determinar que os agressores fiquem longe da casa ou local de trabalho; definir uma distância, em metros, da mulher vítima de violência doméstica ou mesmo a suspensão da posse ou restrição do porte de armas.

“A gente trabalhava na mesma unidade de saúde. Ele é casado e a gente teve um relacionamento e aí eu fiquei doente, entrei em depressão, tentei suicídio. No começo ele dizia que ficaria comigo, largaria a esposa. Entrei na prefeitura em abril de 2017. Em dezembro, eu fiz a primeira tentativa de suicídio. Eu não aceitava o fim do relacionamento. Fui bem relutante, comecei um pouco contra a minha vontade, meu ano de 2018 foi extremamente conturbado, marcado por chantagem emocional”, conta Elen, sobre o começo do relacionamento.

A primeira agressão, um tapa no rosto e uma rasteira, acabou na Deam, no começo de 2018, mas a medida protetiva foi retirada por um pedido da própria vítima, que insistia no relacionamento. “A segunda agressão não registrei, aí começou a ficar pior: ‘eu não vou ficar com você, você é burra, você é vadia, quem procura homem casado é mulher vadia’, ele fala. Aí evoluiu pra uma terceira agressão mais grave, no começo do ano, em janeiro”.

“Eu faço tratamento, fiquei afastada em 2018, voltei agora, pedi pra não voltar para aquela unidade, eu não queria problemas maiores, então teve um dia que eu fui atrás dele no meu antigo trabalho. Ele já estava me esperando. Eu cheguei lá, ele não quis conversar, falou que o relacionamento deveria ter terminado. Eu segurei a camisa dele pela gola para ele não sair, eu dei uns arranhões e ele começou a dar soco no meu estômago, levantou, falou que ia chamar a polícia, ele voltou e me deu mais dois socos no estômago”, conta.

Depois dessa agressão, a funcionária pública de 25 anos, diz ter “caído em si”. Ela resolveu terminar o relacionamento pós as agressões, denunciou o caso à Deam novamente e recebeu nova medida protetiva, que não foi cumprida pelo ex. “Quando ele recebeu a primeira negativa ele não parou mais, começou a me seguir no trabalho, ir na academia, ir na minha casa, e eu sou sozinha”, diz.

“Ele me ligava muito, acrescentei 46 folhas no inquérito de print de ligação, de número desconhecido. Fora os e-mails: ‘estou na frente da sua casa, estou me humilhando pra você’. Você vê muita morte de mulheres, e ele se mostrou uma pessoa extremamente agressiva. Eu estava temendo pela minha vida. Aí saiu a prisão preventiva dele, ele está detido na Deam”, relatou. 

Estatística - O personagem, funcionário público de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Campo Grande, é um dos 746 denunciados por descumprirem medidas protetivas por violência doméstica em Mato Grosso do Sul, entre 1 de janeiro e 15 de maio deste ano. São em médica cinco casos por dia. 

Só em Campo Grande foram 281 boletins abertos na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), 2 a cada dia. 

A denúncia do agressor de Elen culminou em prisão. Além dos boletins, em Campo Grande, 65 homens foram presos em flagrante por se aproximarem das ex-companheiras mesmo depois de terem uma ordem para ficarem longe.

Delegada-adjunta na Deam, Jennifer Estevam de Araújo, afirma que o número se deve ao trabalho da “Patrulha Maria da Penha”. “Na verdade, é difícil falar que está aumentando. É um dispositivo novo, então, aqui em Campo Grande a gente tem a patrulha Maria da Penha, a partir disso, eles já comunicam, por isso que aumenta, porque está tendo fiscalização, então não é necessariamente que eles estão descumprindo mais”, diz.

A delegada explica que nem sempre o descumprimento da medida termina em prisão. “Quando o autor descumpre a medida, se a juíza verificar uma situação grave, ela decreta a prisão. Se não for tão grave, ela determina o uso da tornozeleira. Se for em flagrante vai analisar se decreta a preventiva ou não”, disse.

Mais casos - Izabel* de 45 anos também foi denunciar o ex-namorado na Deam essa semana, por descumprimento da medida protetiva. Ela terminou o relacionamento com o namorado de 44 anos após descobrir uma traição. Ela foi agredida, enforcada e teve o dedo deslocado pelo autor. Na delegacia, exibia a mão enfaixada.

Na última segunda-feira (13), já com a medida protetiva, ele foi até a casa dela “dizendo que ia pegar as coisas dele”. Ela relatou ter chamado a Guarda Civil, que não agiu com a justificativa de que ele ainda não tinha recebido a ordem de medida.

Nesta quinta-feira (16), vídeo enviado ao Campo Grande News e divulgado nas redes sociais chocou muito gente. uma mulher entra num ônibus chorando e pedindo socorro e um homem vem logo atrás. Ela diz para o motorista que tem medida protetiva. O casal desce e niguém faz nada.

A juíza Jacqueline Machado, que responde pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar de Mato Grosso do Sul e pela primeira Vara de Medidas Protetivas do país afirma que recebe 20 casos de violência doméstica por dia. Apenas no último fim de semana, disse, foram 9 flagrantes.

A juíza pediu que as mulheres denunciem “no primeiro sinal de violência”. “Seja ela moral, patrimonial ou física”, enfatizou.

*os nomes foram trocados a pedido das vítimas.

 


Fonte: Comunicação Brasilândia
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