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terça, 18 de setembro de 2018 - 11:00

Último abraço e tatuagem ficaram para Carol que perdeu família em queda de avião

Há cinco anos, acidente aéreo levou o pai, a irmã e a madrasta que estava grávida; todo morreram em queda no Pantanal

Em outubro de 2013, a fotógrafa Caroline Maciel Almeida sofreu o maior baque da vida. O pai, a irmã e a madrasta grávida morreram em um acidente de avião, perto da fazenda da família, no Pantanal. A tragédia abriu um rombo e trouxe a tristeza profunda, ao mesmo tempo em que exigiu serenidade para amortecer a dor nos avós e no irmão que ficou. Cinco anos depois, ela fala do assunto na companhia do filho e com a lembrança do último abraço do pai, um apaixonado pela aviação, que nunca imaginou que o próprio sonho causaria uma fatalidade.

“Tive que amparar, principalmente, meus avós. Em seguida, minha tia, única irmã do meu pai que e que amava muito ele, e meu irmão, que também ficou e até hoje chama pelo nosso pai. Foi um sofrimento imenso para a família e eu precisei dar forças, mesmo sem saber o que fazer”, comenta.

 

O que ficou são lembranças dos melhores momentos em família, de todos os fins de semana na casa do pai, o empresário Ricardo Aparecido Jardim Almeida, dono de uma indústria de elevadores em Campo Grande. Ele, dedicado aos aviões, fazia questão de levar os filhos e a esposa até o hangar para assistirem seu espetáculo nas alturas em dias de folga.

No último Dia dos Pais, em agosto de 2013, são inesquecíveis no coração da filha as horas que passaram juntos. “Eu dei de presente para ele um avião de montar, ficamos juntos montando até que ele resolveu levar a família para voar. Era o instante que ele mais amava”.

Caroline, o pai Ricardo, a madrasta Fernanda e o irmão Pedro, em um ensaio em família ao descobrirem a nova irmãzinha. (Foto: Arquivo Pessoal)Caroline, o pai Ricardo, a madrasta Fernanda e o irmão Pedro, em um ensaio em família ao descobrirem a nova irmãzinha. (Foto: Arquivo Pessoal)

O amor pela aviação começou na infância, mas Ricardo só realizou o sonho após os 40 anos, quando fez de tudo para voltar a estudar e conquistar o curso de piloto. “Ele estudou muito para se formar. Meu pai não tinha nem Ensino Médio completo, mas retomou os estudos para poder fazer o curso de aviação”, conta a filha.

Até então, com 19 anos, antes do acidente, Caroline era uma caloura na universidade que não pensava em mudanças, muito menos que um dia perderia a família. Até que o acidente transformou tudo. Hoje, a tatuagem “permanentemente mutável” no peito traduz a mudança que ela foi obrigada a entender. “Fiz pensando no meu pai, as duas andorinhas são ele e minha irmã, mas a frase foi porque depois do acidente ele me ensinou muito, ainda mais, porque eu não aceitava mudanças na minha vida”.

A transformação veio depois da primeira ligação da tia, em um sábado à tarde, enquanto Caroline curtia uma reunião com os amigos da faculdade. “No telefone, eu senti que algo não estava bem, mas nem me toquei do que era. Em seguida, ouvi a minha mãe chorando, naquele momento eu chorei também, senti que algo tinha acontecido com meu pai”.

No dia anterior, uma sexta-feira, Ricardo havia saído mais cedo do trabalho, para se despedir da filha, porque ia viajar de avião até a fazenda no Pantanal. “Ele me deu um abraço apertado, disse que me amava e me chamou de docinho de coco. Olha que ele nem era de tanto contato, mas naquele dia ele fez isso com tanto amor, parecia mesmo uma despedida”.

O filho Benjamin, de 1 ano, hoje é a maior alegria de Caroline. (Foto: Kisie Ainoã)O filho Benjamin, de 1 ano, hoje é a maior alegria de Caroline. (Foto: Kisie Ainoã)

Mas naquele dia, por algum motivo, Ricardo não viajou e só decolou no sábado. “Na sexta-feira à noite fui a um restaurante que sempre ia com meu pai. Ainda cogitamos convidá-lo, mas imaginei que ele já estivesse viajado e não liguei. Durante muito tempo me arrependi de não ter ligado. Talvez tivesse tido mais tempo com ele”.

No dia seguinte, em uma sábado, a notícia mais dolorosa que a filha poderia receber. “O avião tinha caído bem próximo à fazenda quando eles estavam chegando. Até hoje não sabemos as causas, o avião caiu de um jeito como se estivesse pousado. Parece que algo parou de funcionar no alto e ele simplesmente caiu”, descreve.

Além da dor imensurável de perder os familiares, o desespero de Caroline foi imaginar, durante anos, o que passou pela cabeça do pai antes do avião cair. “Eu ficava em pânico só de pensar se deu tempo dele fazer alguma coisa e quão desesperador foi pensar que o avião que ele pilotava levava a maior parte da família dele. Eu ficava imaginando o sofrimento dele naquele momento sem conseguir fazer muito”.

No avião, além de Ricardo, estavam a filha de um ano Valentine Braga de Almeida, a esposa Fernanda Braga de Almeida, de 35, a babá Micheli Dias Marques, de 18, e o gerente da fazenda da família, Rudinei Joca Monteiro, 50 anos, funcionário e um dos melhores amigos do empresário. “Mais do que um funcionário, meu pai o considerava como um amigo e tinha muita confiança”, comenta Carol.

O velório foi um dos mais cheios que Caroline já viu. “Meu pai fez muitos amigos, tinha facilidade para conquistar as pessoas, gostava de conversar, acho que por isso tanta gente foi nos dar apoio. Isso é uma coisa que eu nunca vou esquecer e foi muito importante pra nos dar força”.

Ricardo e o filho Pedro, mais novo que Carol. (Foto: Arquivo Pessoal)Ricardo e o filho Pedro, mais novo que Carol. (Foto: Arquivo Pessoal)

Caroline saiu de casa, foi morar sozinha, viveu um ano no apartamento do pai até conseguir comprar o próprio imóvel. Cinco anos depois a vida mudou completamente, ela engravidou, hoje comemora 1 ano e um mês da vida do filho Benjamin, o neto que Ricardo um dia sonhou. “Depois que ele descobriu a gestação da minha madrasta, ele dizia que ainda queria ter um filho homem, mas quando soube que era uma menina ficou radiante e disse que esperaria um neto”.

Caroline acredita que se o pai estivesse aqui, Benjamin estaria voando com ele. “Seria o maior xodó dele, estaria nas alturas com o vovô”.

Sobre a fatalidade, hoje ela não questiona mais, embora pense como é possível uma pessoa ser vítima do próprio sonho. “Em alguns momentos a gente pensa: e se ele não tivesse voado?”, questiona. “Mas a resposta vem ao pensar que no fundo ele era feliz com o avião. Eu lembro que meus avós e minha tia foram quem ajudaram ele com as economias para comprar uma aeronave”.

Ricardo estava radiante, vivia um dos melhores momentos da sua vida, lembra a filha. "Eu brinco até hoje que eles eram uma família de comercial margarina, porque não tinha gente mais feliz no mundo. Ele tinham acabado de descobrir a gravidez, tudo ia bem nos negócios, tínhamos muito amor em casa. Foi difícil acreditar que tudo acabou".

Hoje, o que ficou de quem partiu está no sorriso, no jeito de falar e até no cheiro da filha mais velha. “Esses dias eu abracei minha avó e ela me disse que eu tenho o cheirinho do meu pai. Aquilo me deixou muito feliz, gosto de saber que cada dia mais estou parecida com ele. Meu pai sempre teve opiniões diferentes das minhas, mas ele me respeitava muito, me incentivava, vibrava quando eu conquistava algo. Hoje levo comigo a vontade de conversar e a facilidade que ele tinha para fazer amigos”.

"Se eu pudesse voltar atrás? Teria ligado naquela sexta-feira à noite".

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O sorriso que Carol diz que nunca será capaz de esquecer. (Foto: Arquivo Pessoal)O sorriso que Carol diz que nunca será capaz de esquecer. (Foto: Arquivo Pessoal)
 


Fonte: Campo Grande News
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